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quarta-feira, 27 de julho de 2016

Efeitos da agenda cheia




Seu filho tem a agenda tão lotada quanto um adulto? Em um momento em que as pessoas pensam em desacelerar, por que não ensinar as crianças a fazer o mesmo? Tempo livre de forma alguma é “tempo perdido”. O ócio favorece a criatividade e outras habilidades importantes. Brincar é um “treino” para a vida – imaginar algumas situações e vivê--las de modo fantasioso é uma preparação para enfrentar desafios. Veja mais detalhes do texto da revista Neuroeducação

Escola, esporte e um sem fim de atividades extracurriculares. Nem bem o ano inicia, a agenda de nossos filhos e alunos já está lotada! Família e escola se empenham em oferecer o maior número de oportunidades para o desenvolvimento de potenciais, atendendo às expectativas dos adultos. Antes de nos aprofundarmos no tema da agenda infantil, é interessante pensar em como o tempo era representado na Grécia antiga: pela figura de dois deuses, Cronos e Kairós.

Cronos era um velho cruel e tirano que controlava o tempo desde o nascimento até a morte. Era um ditador da quantidade de coisas que deviam ser feitas durante o dia e cuidava daquele tempo que parece nunca ser suficiente, que preocupa, escraviza e estressa. Kairós, ao contrário, era um jovem ágil que corria rapidamente, era impossível segurá-lo ou trazê-lo de volta; ele simbolizava a oportunidade, a ideia de que não havia uma segunda chance de viver esse tempo!

Uma infância produtiva deveria estar repleta de Kairós! Deveria transbordar de momentos que fluem e marcam o resto da vida, de tempo vivido que corre, que não volta, de tempo para brincar, usar a criatividade sem barreiras, usar a imaginação, de pintar e cantar. A infância deveria conter brincadeiras de faz de conta, cantigas de roda, joelhos ralados, roupa suja, além de muitas ocasiões envoltas em fantasias!

Hoje, percebemos tanto nas famílias como nas escolas a necessidade de preencher com atividades o tempo da criança, enchendo sua vida de Cronos, de horários, de agendamentos. Como disse um educador que conheço, “nossos alunos e filhos estão a menos tempo nesse planeta” e por isso, nós, os adultos, devemos mostrar como fazer, como aproveitar e como viver o tempo que temos por aqui.

“TRABALHO DA INFÂNCIA”

Sabemos que pessoas criativas fazem mais associações entre as informações. Todos concordamos que a criatividade é essencial para produzir ideias originais, inesperadas, e gerar adaptações úteis na resolução de problemas. A ciência mostra que não só os seres humanos brincam, mas os animais de todas as espécies fazem isso. Brincar seria um “treino” para a vida, imaginar algumas situações e vivê-las de modo fantasioso nos ajudaria a enfrentá-las e a resolver situações-problema. Segundo a Unesco, “quando uma criança experimenta diferentes maneiras de utilização dos objetos, como, por exemplo, um cabo de vassoura tornando-se um cavalo, ela evolui da imitação até o uso criativo de objetos à medida que busca expressar suas ideias de como vê o mundo a que pertence”.

Brincar, para os neurocientistas, é parte do desenvolvimento humano. Em seu livro O cérebro e a inteligência emocional: novas perspectivas (Objetiva, 2012), o psicólogo Daniel Goleman sugere que, por meio do brincar – e em estreita interação com o ambiente e seus semelhantes –, novos caminhos neurais se formam e distintas áreas do cérebro se tornam interconectadas. A neurociência já mostrou que o brincar tem papel essencial em vários processos cerebrais; ao proporcionar muitas e variadas experiências, provocaria a formação e consolidação de importantes circuitos neurais, tornando interligadas áreas do cérebro relacionadas a distintas competências ou conjuntos de habilidades.

Pesquisadores como Robert Fagen, autor de Animal play behavior (Comportamento lúdico em animais, sem tradução para o português), acreditam que o brincar tenha valor adaptativo, “uma vez que a atividade envolve riscos para a sobrevivência e desperdício energético para indivíduos em crescimento”, o que acontece também com os seres humanos. Muitos já escreveram sobre o brincar, entre eles Jean Piaget, que afirmava que “brincar é o trabalho da infância” e também que o “brincar livre e o brincar dirigido são essenciais para o desenvolvimento de habilidades acadêmicas”.

As psicólogas Kathryn Hirsh-Pasek, da Universidade Temple, e Roberta Golinkoff, da Universidade de Delaware, realizaram uma pesquisa para saber qual dos dois tipos de brincadeira, a dirigida ou a livre, promovia mais aprendizagem, e entre muitas reflexões fizeram algumas constatações importantes, baseadas em vários autores: “O brincar livre e o brincar dirigido são igualmente importantes para promover competência social e confiança, assim como autorregulação ou capacidade da criança para controlar seu próprio comportamento e suas emoções”. Em artigo publicado on-line na Encyclopedia on early childhood development, escreveram que no “brincar livre, a criança aprende a negociar com os colegas, a esperar sua vez e a gerenciar-se e gerenciar os demais”. Chegaram à seguinte conclusão: “O brincar livre e o brincar dirigido oferecem um forte apoio para a aprendizagem acadêmica e social. De fato, comparações entre crianças em idade pré-escolar que utilizam abordagens lúdicas, centradas na criança, e entre aquelas que participam de abordagens menos lúdicas, mais orientadas pelo professor, revelam que o primeiro grupo apresenta melhores resultados em testes de leitura, linguagem, escrita e matemática. Ambientes mais envolventes e interessantes para crianças favorecem o aprendizado no ensino fundamental”. Além disso, as autoras surpreenderam-se com o fato de as escolas terem diminuído seu tempo de brincar livre, de recreio ou intervalo, e também com a diminuição em mais de 50% do tempo que as crianças tinham para atividades ao ar livre em 1997 em comparação com o que têm agora.

Em pesquisa recente publicada no The Journal of American Medical Association, pesquisadores concluem que, no período de aquisição de linguagem, “(…) brincadeiras com brinquedos eletrônicos estão associadas à diminuição da quantidade e qualidade da linguagem adquirida em comparação com o brincar com livros ou brinquedos tradicionais. Para promover o desenvolvimento precoce da linguagem, brincar com brinquedos eletrônicos deve ser desencorajado. Os brinquedos tradicionais podem ser uma alternativa valiosa para o tempo que a criança tem para brincar, assim como a leitura de um livro feita por um adulto”. A Academia Americana de Pediatria tem reiterado a recomendação de que as crianças não deveriam ser expostas a nenhuma mídia eletrônica antes dos 2 anos de idade e utiliza o seguinte argumento: “O cérebro da criança se desenvolve rapidamente nesses primeiros anos e crianças pequenas aprendem mais interagindo com pessoas do que com telas”. Por isso, mesmo servindo de “tranquilizante” para as crianças, vídeos e jogos não deveriam ser utilizados antes dos 2 anos, principalmente durante as refeições, nem como alternativa preferencial quando outro ser humano pode interagir com os pequenos. Ensiná-los a se acalmar e a comer com atenção focada dá trabalho e estamos optando pela distração, não pelo aprendizado.

Ainda de acordo com a Academia Americana de Pediatria, crianças entre 8 e 10 anos têm passado, em média, oito horas diárias em contato com mídias eletrônicas, o que causa efeitos negativos no comportamento, na saúde e no desempenho escolar. A recomendação é que crianças e adolescentes não passem mais de duas horas diárias em contato com essas mídias.

ESTRESSE E ANSIEDADE

O psicólogo educacional Anthony Pellegrini, da Universidade de Minessota, identificou: “Crianças do ensino fundamental que brincam livremente durante o recreio retornam às aulas com a atenção renovada em relação ao seu trabalho. Essas crianças apresentam melhor desempenho em leitura e matemática do que crianças que não participaram do recreio”. Em seu livro Recess: its role in education and development (Recreio: seu papel na educação e desenvolvimento, sem tradução para o português), escreve: “As habilidades conhecidas como funções executivas (atenção, resolução de problemas e inibição), desenvolvidas sob as condições do brincar dirigido, foram relacionadas ao melhor desempenho em matemática e leitura. Brincadeiras físicas foram também associadas com áreas de desenvolvimento do cérebro – lobos frontais – responsáveis pelo controle comportamental e cognitivo”.

Mau humor, irritabilidade, choro, dor de cabeça, de estômago e nas pernas e alergias podem ser sintomas de estresse na infância. Quando a criança fica exposta por muito tempo à liberação de cortisol, que é o hormônio envolvido diretamente na resposta ao estresse, pode apresentar diminuição na capacidade de aprendizagem. A falta de tempo livre para brincar sem ser dirigida pode estressar a criança. O uso excessivo de eletrônicos também pode desencadear estresse e depressão.

Hoje nem mesmo as festas infantis proporcionam tempo para o brincar livre: monitores, mágicos e outras atrações mantêm a criança “ocupada”. Os pais fazem o mesmo com a semana da criança e enchem sua agenda de atividades. Em que momento as crianças farão um graveto virar um avião ou um trem? Quando exercitarão sua imaginação e criatividade? Quando aprenderão?

Muitos pais ficam preocupados em capacitar seus filhos para as demandas de um mercado de trabalho de um futuro que desconhecem. Habilidades como a criatividade, a inteligência emocional e a resolução de problemas com certeza sempre serão um diferencial em qualquer profissional. Nada desenvolve mais essas habilidades na criança do que o lúdico. O brincar sozinho, o brincar com pares, o brincar livre e, às vezes, de forma dirigida serão de grande valia para o futuro e também para o presente de nossos alunos e filhos.

Para a aprendizagem precisamos de desafios e exigências, mas não precisamos de estresse, de sobrecarga. Sabemos que as respostas ao estresse podem variar da agressividade à fuga.

PAUSAS BEM-VINDAS

Uma escola na Inglaterra, nas proximidades de Newcastle, mostrou-se um verdadeiro laboratório de aprendizagem ao testar o mesmo conteúdo em turmas diferentes com métodos completamente distintos. Em uma delas, a matéria do dia foi formatada em sessões de 8 minutos, seguidas de uma pausa de 10 minutos, com brincadeiras que não tinham nada a ver com a disciplina. A retenção do conteúdo foi muito maior nessas turmas do que nas que utilizaram o método comum. Sabemos que o cérebro não fixa a atenção por longos períodos. Quem sabe a resposta não seja a escola ter pequenos períodos de aula intercalados com brincadeiras?

Renata Proetti, da Associação Internacional pelo Brincar (IPA, www.ipabrasil.org), que tem como principal objetivo a defesa do direito do brincar e à cultura, como preconiza o artigo 31 da Convenção sobre os Direitos da Criança, afirma que a exposição infantil às telas (TV, games, computadores, tablets e celulares) está ultrapassando o tolerável e aceitável do ponto de vista da saúde. “Os pais trabalham fora mais e mais horas por dia, fazendo com que as crianças estejam sujeitas às telas como um recurso para o uso do seu tempo livre, que, em tese, deveria ser usado para outras atividades. As grandes cidades, além de muito urbanizadas e com extrema escassez de áreas livres e parques, hoje são vistas como uma zona de risco às crianças devido à violência. Juntos, esses fatores acabam levando as crianças ao sedentarismo, ao abuso da tecnologia. Esse abuso faz com que a criança não brinque. Quando ela não brinca, deixa, entre outras coisas, de se socializar. A socialização cria mecanismos importantíssimos no desenvolvimento da aprendizagem, como ter empatia. A não socialização pode desencadear mecanismos ligados à violência e à depressão. O índice de crianças deprimidas e fazendo uso de medicações no Brasil nunca foi tão alto. Um dos resultados imediatos da falta do brincar é a depressão infantil; os efeitos disso nesse indivíduo adulto, ainda não sabemos quais serão”.

Em um momento em que adultos pensam em desacelerar, por que não ensinar as crianças a fazer o mesmo? Por que gerar ansiedade desde tão cedo? Não estamos deixando que nossas crianças sintam que a infância é confortável. Achávamos as tardes muito longas na nossa própria infância, mas, com a vida adulta e a agenda lotada, elas começam a passar mais rápido. A maioria das crianças de hoje reclama que o tempo passa rápido e não têm tempo! Como adultos, estamos retirando o tempo de nossos filhos e alunos. Essa responsabilidade é nossa e temos de repensar muito o que proporcionar a essas gerações mais novas. Que qualidade de vida estamos oferecendo a essas gerações de crianças irritadas, agressivas, agitadas, desanimadas, ansiosas? Para quê? Por quê?

VANTAGENS DO ÓCIO

Em 2012, a Academia Americana de Pediatria lançou um documento que chamava atenção para os impactos negativos do estresse tóxico, que trazia prejuízos para a aprendizagem, o comportamento e o desenvolvimento físico e mental. O relatório sugeria que parte dos problemas mentais que ocorriam nos adultos deveria ser vista como transtornos de desenvolvimento com início na infância. Desde 2012, o que foi feito para deter a evolução desses transtornos? Nas escolas encontramos muitas crianças com diagnóstico de depressão, pânico e outros problemas relacionados ao encurtamento da infância.

A brincadeira é antes de tudo um direito, e todas as crianças do mundo brincam, mas nossas expectativas quanto ao futuro e ao desempenho delas estão roubando o que elas têm de mais bonito: a espontaneidade, a fantasia e a imaginação. Segundo Fernanda Marques e Helenise Ebersol, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), “(…) uma criança que não consegue brincar deve ser objeto de preocupação. Disponibilizar espaço e tempo para brincadeiras, portanto, significa contribuir para um desenvolvimento saudável. É importante também que os adultos resgatem sua capacidade de brincar, tornando-se, assim, mais disponíveis para as crianças enquanto parceiros e incentivadores de brincadeiras”.

No livro Einstein teve tempo para brincar (Guarda-Chuva, 2006), Hirsh-Pasek e Golinkoff escrevem que “brincando mais livremente, as crianças terão mais chance de desenvolver a inteligência emocional”. Afirmam ainda que a inteligência emocional vem com a maturidade, não em brinquedos passivos, e muito menos na pressa das atividades diárias. Os pais devem buscá-la na forma como interagem com seus filhos, no respeito construído pelo que eles dizem e fazem.

Para a pesquisadora em desenvolvimento humano Elvira Souza Lima, que está introduzindo em muitas cidades brasileiras o currículo que chama de Viver a Infância, “(…) o tempo para vivenciar essa fase da vida é essencial para a criança. Já sabíamos disso pela antropologia, que revela que brincar faz parte da história da evolução da espécie humana. Hoje, com a neurociência, temos a comprovação de que brincar desenvolve áreas importantes do cérebro, que serão base para aprendizagens futuras. Pelo brincar, a criança se insere na cultura, desenvolve os sistemas expressivos, a empatia e a comunicação humana. O impacto da atividade de brincar no desenvolvimento infantil é maior e mais significativo do que às vezes seguir um ‘currículo’ de cursos e atividades para ocupar o tempo da criança”.

Pesquisadores e educadores concordam com os benefícios do brincar e, principalmente, do brincar livre, que estimula a troca entre os pares e o desenvolvimento de habilidades importantíssimas para a vida. Ao iniciar o ano, vamos procurar deixar espaços livres na agenda de nossas crianças para o brincar! Os gregos sabiam das coisas, sabiam que aquela ideia criativa, o insight, pode fugir rapidinho se não deixamos tempo para Kairós! Nada como o dolce far niente!

terça-feira, 12 de julho de 2016

Crianças e dinheiro



Você ensina seu filho a lidar com dinheiro? Aproveite as férias escolares para colocar em prática as dicas do artigo escrito por Andy de Santis em parceria com a Casa Azul Conteúdo e Sustentabilidade, publicado no site Meu Bolso em Dia:

Esperar o bolo crescer

Para saber poupar, é preciso primeiro aprender a esperar. Afinal, quanto mais tempo você deixar o dinheiro investido, maior o retorno. Para ensinar isso às crianças, que tal preparar um bolo juntos? Enquanto esperam o bolo assar, explique que o dinheiro na poupança funciona como esse bolo, que cresce a cada minuto. Se tirar o bolo do forno antes da hora, não poderá saboreá-lo.

O desafio do banho rápido

Água é um dos recursos mais preciosos para nossa sobrevivência e custa cada vez mais caro para o bolso. Em vez de gritar e esbravejar com a criança, faça um jogo e desperte nela o senso de urgência. Coloque um balde embaixo do chuveiro e proponha um desafio: terminar o banho antes de encher o balde. Você pode se surpreender com as soluções que ela vai encontrar para “ganhar o jogo”. O planeta e seu bolso agradecem!

Aprender a priorizar

Muitos adultos preferem deixar as crianças em casa para ir ao supermercado, pois elas querem tudo que veem pela frente, mas essa é uma ótima oportunidade para ensinar crianças a fazer escolhas e eleger prioridades. Convide-as a preparar a lista de compras junto com você e escreva duas colunas: “Precisamos” e “Queremos”. A cada novo item da lista, reflitam se é uma necessidade ou desejo e coloquem na coluna correspondente.

Defina a quantia de dinheiro que poderá ser gasta no total. No mercado, entregue a lista e um lápis na mão da criança e deixe-a localizar os itens nas prateleiras. Se ela se empolgar com algum item, pergunte se está na lista. Se não estiver, vocês terão que escolher um item para retirar da lista e trocá-lo pela nova compra. Esse exercício de priorização irá ajudá-la a fazer escolhas mais conscientes.

Ser guardião da economia

Crianças adoram brincar de super-heróis. Por que não aproveitar essa energia para transformá-las em verdadeiros guardiões da economia doméstica? Coloque uma música, separe uma capa, máscara ou coroa, reúna a família, chame a criança para o centro da roda e anuncie com voz dramática: “A partir de agora, você foi coroado guardião da luz. Sua missão será impedir que a luz da nossa casa seja usada em vão. Você usará seus poderes secretos para combater os desperdícios de toda a família”.

Defina uma meta de economia e, se ela for alcançada, proponha um passeio ou faça uma sobremesa diferente para comemorarem a conquista. É fundamental reconhecer o esforço da criança nessa tarefa.

Cuidar do próprio dinheiro

A partir da idade escolar, as crianças já começam a ter noções de valor das notas e moedas. Nesse momento, é saudável iniciar uma semanada e dar espaço para ela tomar decisões com o dinheiro recebido. Nas primeiras semanas, ela pode se atrapalhar e gastar tudo em um só dia.

Se isso acontecer, não se irrite nem caia na tentação de dar mais dinheiro. Deixe-a sentir as consequências de sua decisão, para que aprenda quanto pode gastar por dia se quiser que o dinheiro dure a semana toda. Quando isso acontecer, elogie-a e proponha uma brincadeira de escolinha, onde a criança fará o papel de professora e ensinará toda família a cuidar do dinheiro.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Empatia na educação



Nesta semana, compartilhamos com vocês as reflexões de pensadores sobre o lugar da empatia dentro dos contextos educacionais. Afinal,na educação no século XXI, lidar com emoções e sonhos é parte importante do cenário escolar. Confira detalhes do texto publicado no site da Fundação Telefônica:

Um debate sobre educação nunca é um debate solitário. Cada aluno, educador e gestor tem parte no delicado processo de construir formas de educar que contemplem não somente habilidades e competências, como também o complexo insumo de que são feitos os humanos: seus anseios, dores, sonhos e capacidade de relacionamento com o outro. A escola como originalmente pensada não contempla esse arcabouço relacional, e transformá-la empaticamente começa quando ela é conversada e boas práticas são partilhadas.

A iniciativa Escolas Transformadoras, do Instituto Ashoka em parceria com o Instituto Alana, reuniu pensadores e articuladores para conversar sobre empatia em evento no dia 19 de maio. Embora pareça uma palavra de significado cristalino – capacidade de partilhar dos sentimentos e emoções de outras pessoas – o verbete provou-se um desafio de definição e de imaginar sua aplicação. O mediador Renato Janine Ribeiro, após trazer uma explanação sobre a origem da palavra, levantou duas perguntas aos convidados: a empatia está consolidada ou só está na superfície? E como ela se insere no contexto educacional?

As indagações acenderam o debate sobre a empatia dentro do ser humano. Seria ela uma característica inerente ou uma habilidade que pode ser aprendida e posteriormente reforçada? Ainda que divididos, os participantes da roda de conversa, com toda sua gama de experiências, concordaram que ela precisa ser encorajada e fazer parte do contexto escolar.

A artista plástica e contadora de histórias Stela Barbieri falou sobre a falta que sente da empatia em conversas com educadores: “As pessoas ficam na dinâmica da coisa, e não na experiência que não está nem em mim nem em você, mas entre nós: a sua experiência em mim e minha experiência em você traz uma terceira, a compartilhada”.

Helena Singer, diretora do Departamento de Ações Estratégicas e Inovação do SESC Brasil, provocou reflexão ao dizer que “não é possível educar sem empatia, mas é possível escolarizar e isso acontece o tempo todo”. Ela adicionou que a estrutura escolar de hoje não favorece o sentimento. Eda Luiz, diretora da CIEJA Campo Limpo, ainda trouxe o questionamento de como incentivar a empatia em uma sociedade de desigualdades violentas. “Os meus alunos saem do extremo sul, percorrem três horas de ônibus lotado. Isso não é violento? Como ele vai construir a empatia com o outro, que está na mesma situação que ele?”.

Longe de propor soluções definitivas, muito no exercício de escutar práticas e absorvê-las, a segunda parte do debate primou pela aplicação boas ideias no cotidiano educativo. Braz Nogueira, atual dirigente da DRE Ipiranga, tem como convicção de que é necessário abolir o “adultocentrismo” – e que as ideias se enriquecem com o envolvimento das crianças. Rosely Sayão, psicóloga e consultora educacional, discorreu sobre trocas de papeis que não fiquem no subjetivo. “Vamos colocar os alunos nos lugares dos professores, os professores nos lugares dos diretores: essa é uma maneira de começar a entender o outro e o que ele significa.”

Foi novamente com uma provocação que Helena terminou suas falas, alegando o perigo do discurso da empatia, “o risco de ampliar a demanda superficial por empatia, como se fosse agora a palavra da moda, que vai servir talvez para quem venda coisas, mas não para transformar a educação”. Ela defende que não se deve dar aulas nem avaliações sobre empatia, muito menos transformá-la em um trabalho filantrópico. A empatia faz parte de um aprendizado muito mais profundo, que quando experimentado pelos educadores, pode se desenrolar em práticas de diversas esferas.

A fundadora e presidente do Instituto Alana, Ana Lucia Villela, mostrou-se satisfeita com a sensação de que ainda havia muito para ser partilhado entre os participantes. “Que bom que não deu tempo de eu falar mais, do outro falar mais. Todo mundo vai sair inquieto, com mais vontade de escrever e pesquisar. Foi um encontro de inquietações.” Ela espera que reuniões como essa se multipliquem em outras rodas de conversa e debates, não só entre gestores e especialistas, mas também entre crianças, jovens e adultos, a comunidade como um todo.